A cada ano, cerca de 30 milhões de homens americanos são submetidos ao exame laboratorial para o antígeno prostático específico, uma enzima produzida pela próstata. Aprovado pelo FDA em 1994, o exame de PSA é o recurso mais comumente usado para detectar o câncer de próstata.
A popularidade do exame levou a um desastre extremamente caro de saúde pública. Esta é uma questão com a qual estou dolorosamente familiarizado - descobri o PSA em 1970. No momento em que o Congresso busca encontrar alternativas para cortar os custos de nosso sistema de saúde, é importante dizer que uma significativa poupança poderia resultar da mudança do uso deste antígeno para a triagem do câncer de próstata.
Os americanos gastam uma quantidade enorme de dinheiro realizando o exame de câncer de próstata. O gasto anual para o rastreio pelo PSA é de pelo menos 3 bilhões de dólares, sendo a maior parte coberta pelo Medicare e pela Repartição dos Veteranos.
O câncer de próstata tem grande cobertura pela imprensa, mas os números seguintes devem ser levados em consideração: os homens americanos têm 16 por cento de possibilidade de receber um diagnóstico de câncer de próstata ao longo de sua vida, mas apenas 3 por cento de risco de morrer da doença. Isso porque a maioria dos cânceres de próstata cresce lentamente. Em outras palavras, os homens que têm a sorte de chegar à velhice mais provavelmente morrerão com câncer de próstata do que dele.
Ademais, o exame é tão eficaz quanto jogar uma moeda para sorteio. Por muitos anos, tenho procurado deixar claro que o PSA não pode detectar o câncer de próstata e, mais importante, não pode distinguir entre dois tipos de câncer de próstata - aquele que vai lhe matar e aquele que não vai.
Em vez disso, o exame revela simplesmente a quantidade de antígeno prostático que um homem tem em seu sangue. Infecções, drogas de livre comercialização como o ibuprofeno e a inflamação benigna da próstata podem elevar os níveis de PSA de um homem, mas nenhum destes fatores é sinal de câncer. Homens com baixos níveis do antígeno podem, não obstante, abrigar cânceres perigosos, enquanto outros homens, com níveis altos, podem estar completamente saudáveis.
Ao aprovar o procedimento, o FDA estava se baseando num estudo que mostrou que o exame poderia detectar 3,8 % dos cânceres da próstata, uma taxa melhor do que a resultante do método padrão, o exame de toque retal.
Ainda assim, 3,8% é um valor reduzido. No entanto, especialmente no período inicial da aplicação da triagem, os homens com resultado de quatro nanogramas por mililitro eram enviados para dolorosas biópsias de próstata. Se a biópsia mostrava qualquer sinal de câncer, o paciente era quase sempre encaminhado para cirurgia, radioterapia ou outros danosos tratamentos intensivos.
A comunidade médica está lentamente se voltando contra a triagem pelo PSA. No ano passado, o The New England Journal of Medicine publicou os resultados dos dois maiores estudos sobre o processo de triagem, um na Europa e outro nos Estados Unidos. Os resultados do estudo americano mostram que durante um período de 7 a 10 anos, a triagem não reduziu a taxa de mortalidade em homens com 55 anos e mais.
O estudo europeu mostrou um ligeiro declínio nas taxas de mortalidade, mas também constatou que 48 homens precisavam ser tratados para que uma única vida fosse salva. Isto significa que 47 homens, com toda a probabilidade, ficaram sexualmente impotentes ou não mais podem ficar longe do banheiro por muito tempo.
Numerosos anteriores defensores do exame, incluindo Thomas Stamey, um conhecido urologista da Universidade de Stanford, pronunciaram-se contra os exames de rotina; no mês passado, a Sociedade Americana de Câncer pediu mais cautela no uso do exame. O Colégio Americano de Medicina Preventiva concluiu também que não havia provas suficientes para recomendar exames de rotina.
Então, por que ainda é usado? Porque as empresas farmacêuticas continuam vendendo os exames e os grupos de pressão que promovem a “conscientização sobre o câncer de próstata" incentivam os homens a fazer os exames. Vergonhosamente, a Associação Americana de Urologia ainda recomenda a triagem, enquanto o Instituto Nacional do Câncer é ambíguo sobre o assunto, afirmando que a evidência não é clara.
O painel federal com poderes para avaliar os exames de triagem para o câncer, o Comitê de Serviços Preventivos, recentemente recomendou ser contra a triagem de PSA para homens com 75 anos ou mais. Mas o grupo ainda não fez qualquer recomendação para os homens mais jovens.
O exame do antígeno prostático específico ainda tem uma indicação adequada. Após o tratamento do câncer de próstata, por exemplo, a sua rápida elevação indica retorno da doença. E os homens com histórico familiar de câncer de próstata provavelmente devem passar pelo exame regularmente. Se sua pontuação começar a subir, isto poderia significar câncer.
Mas esses usos são limitados. O exame absolutamente não deve ser aplicado a toda a população de homens com idade superior a 50, pois só interessa àqueles que têm a lucrar com isto.
Eu jamais imaginei que minha descoberta de quatro décadas atrás levaria a tal desastre de saúde pública em função de lucro. A comunidade médica tem de enfrentar a realidade e interromper o uso inadequado da triagem pelo PSA. Fazer isso economizaria bilhões de dólares e salvaria milhões de homens em relação a tratamentos desnecessários e invalidantes.
Richard J. Ablin é professor e pesquisador de imunobiologia e patologia na Faculdade de Medicina da Universidade do Arizona e presidente da Fundação Robert Benjamin Ablin para Pesquisa do Câncer.
(Publicado no The New York Times, edição de 10 de março de 2010, traduzido por Roberto Passos Nogueira - presidente do Cebes)
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