terça-feira, 13 de abril de 2010

DEU NO ESTADÃO

O Estado de São Paulo - 30/03/2010
Cartas
SAÚDE PÚBLICA
Incontinência verbal

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em mais um de seus rompantes habituais de incontinência verbal, diz ter encontrado os culpados pelo caótico sistema de saúde nacional: os médicos.
Segundo reportagem veiculada sexta-feira em diversos jornais brasileiros, o presidente reclamou que "os médicos não aceitam ou cobram caro para trabalhar no interior e nas periferias" e que "é muito fácil ser médico na Avenida Paulista". Lula também criticou o Conselho Federal de Medicina, pedindo o reconhecimento dos diplomas dos médicos formados em Cuba. Ainda em tom jocoso, criticou o médico responsável pela amputação do seu dedo mínimo da mão esquerda. Sua ira se voltou também para os contrários à cobrança de novo tributo para aumentar os recursos para o setor de saúde.

O que o presidente finge não saber é que o médico sozinho, no interior ou em periferias, é incapaz de promover saúde. Ele precisa de apoio para exercer sua profissão, como laboratórios, equipamentos para exames, hospitais, enfim, tudo o que não é prioridade ou é claramente insuficiente em seu
governo. Lula também finge não saber que ninguém é contra o médico cubano: exige-se apenas que ele, como qualquer outro, se submeta ao exame de avaliação exigido para formados no exterior. Quanto à CPMF, governar impondo novos impostos ao já fatigado povo brasileiro é tão vulgar quanto dizer que
é "fácil ser médico na Avenida Paulista".

A Associação Médica Brasileira (AMB), em nome dos mais de 350 mil médicos brasileiros, sente-se ultrajada com as declarações do sr. Lula, visto inverídicas, por considerar que elas não condizem com o cargo que S. Sa. ocupa e por atingir a dignidade e a honradez daqueles que, diariamente, em hospitais ou consultórios, muitas vezes em condições precárias, lutam por manter a saúde do povo brasileiro.

O presidente Lula deve um pedido de desculpas à classe médica brasileira.

José Luiz Gomes do Amaral,
presidente da AMB



RESPOSTA DA SBC!

Resposta da SBC as palavras ofensivas do nosso presidente.. .. Tá no site oficial da SBC.

*Carta da Sociedade Brasileira de Cardiologia*

Porto Alegre, 02 de abril de 2010

Ao
Excelentíssimo Senhor Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva

Prezado
presidente,

A Sociedade Brasileira de Cardiologia vem externar sua decepção pelas palavras divulgadas pela imprensa e atribuidas a V. Excia. durante a solenidade de entrega de ambulâncias em Tatuí, quando teria criticado a classe médica em geral. A SBC também se solidariza com o presidente da Associação Médica Brasileira que, em nome de 350 mil médicos brasileiros, fez um desagravo aos profissionais atingidos em sua dignidade e honradez pelas referidas declarações, tão estranhas, que temos dúvida se a imprensa reproduziu fielmente suas palavras.

Em nome dos 12 mil cardiologistas brasileiros, grande parte dos quais exercendo a profissão em cidades
pequenas, mesmo em povoados às margens dos rios amazônicos, distantes dos grandes centros, com poucos e antiquados equipamentos e, mesmo assim, salvando vidas, a SBC vem lembrar que o esforço de seus
associados está levando o País em anos recentes a reduzir o número de mortes por causas cardiovasculares que, até há pouco, roubavam 315 mil vidas de brasileiros a cada ano.

Esses cardiologistas que trabalham em todos os rincões brasileiros, senhor presidente, é que garantem o
eficiente e rápido tratamento de uma crise de hipertensão, como a que afetou o presidente da República no
Nordeste brasileiro e são eles que, em campanhas como a que se desenvolve neste momento, difundem
informação sobre fatores de risco como a hipertensão, o tabagismo, a obesidade, para que no futuro os
brasileiros não passem por crises semelhantes à que atingiu V. Excia.

São esses médicos que, recebendo pouco do SUS, muitas vezes não tem recursos para acompanhar os congressos internacionais onde são apresentados os avanços da Medicina. Esse é o motivo que os leva a se
valerem da Internet para a “Educação Continuada” oferecida por essa Sociedade, para que no Brasil inteiro os pacientes sejam atendidos por uma Cardiologia de ponta, por médicos tão capacitados como os dos países desenvolvidos.

E é por causa do intenso esforço, dos seis anos de estudo, somados aos de residência médica, aos quais se
acrescenta toda uma vida de atualização, frequentemente de pesquisa, que os cardiologistas exigem
que médicos formados em cursos como os de Cuba passem por exames que demonstrem serem tão capazes como os profissionais formados no território brasileiro. Não estamos defendendo nossa categoria com essa
exigência, presidente, mas sim buscando a garantia de que os pacientes brasileiros sejam atendidos por
profissionais efetivamente capacitados.

Pedimos vênia para lembrar mais que, se hoje milhares de cardiologistas trabalham em cidades onde não se conta com recursos de tomografia computorizada, de ressonância magnética, laboratórios nem salas cirúrgicas adequadas, senhor presidente, não é culpa dos médicos e nem da falta da CPMF, imposto que,
tendo vigorado por vários anos, não foi empregado para sanar as mais evidentes lacunas da Saúde nas cidades pequenas, ao contrário do que desejava quem o propôs, justamente um cardiologista.

Os “médicos da avenida Paulista”, criticados por V. Excia., são os mesmos que, a cada dia, atendem milhares de pacientes pobres, vindos de cidades distantes em incontáveis ambulâncias das Prefeituras, que chegam a formar fila nas estradas, de madrugada, trazendo pacientes em busca da ajuda médica que a cidade grande oferece e com a qual não contam em suas cidades de origem, e não por culpa dos profissionais da Saúde.

Num País em desenvolvimento como o nosso, em que são limitados os recursos para a Saúde e escassas as
verbas para comprar o aparelhamento mais moderno, é simplesmente natural que se formem umas poucas
instituições de excelência, altamente equipadas, para onde migram os pacientes das regiões próximas.

Esse fenômeno é conhecido e foi vivido por V. Excia. quando, para seus exames e testes, que  necessariamente tem que ser os mais completos possíveis, pela importância de sua pessoa, os médicos que o atendem fazem com que o presidente da República deixe Brasília e frequente dois hospitais, o Incor e o Sírio
Libanês, situados, justamente, no entorno da avenida Paulista, citada jocosamente por V. Excia como o local “onde é fácil ser médico”.

Garantimos, ao contrário, que jamais foi fácil ser médico no nosso País, onde a Medicina continua tendo conotação de sacerdócio, principalmente para o crescente número de profissionais que depende, para sua
sobrevivência, dos seguro-saúde. Ainda agora as Sociedades médicas lutam e sozinhas, para conseguir que essas empresas que ganham importância diante da falha da Saúde Pública, sejam levadas a pagar uma
contrapartida pelo menos digna a quem dedicou sua vida ao exercício da Medicina.

Atenciosamente,

Jorge Ilha Guimarães
*Presidente da SBC*

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