Este caos também é seu...
“Fica decretado que agora vale a verdade.
Agora vale a vida, e de mãos dadas,
Marcharemos todos pela vida verdadeira”
(Estatuto do homem – Thiago de Mello)
Ontem.
Dia dos pais. E que presente foi dado a um deles... Um ex-aluno meu,
colega de especialidade cirúrgica e também professor de ofício de
medicina, Dr. Irami Araújo, saiu de casa, operado de um de dente, e foi
dar plantão na versão atual e moderna do INFERNO DE DANTE: o Hospital
Clóvis Sarinho (HCS).
Hoje.
Dia 13 de agosto de 2012. São 16:00h. Acabo de receber um e-mail dele
cujo relato, caro leitor, faço questão de colocá-lo na íntegra:
“Houve vários atendimentos de pacientes gravíssimos, que necessitaram de intubação orotraqueal ou cricotiroidostomia; metade das intubações foram realizadas às cegas ou quase, pois estávamos sem aspirador funcionando e sendo feitas no chão, devido a falta de macas altas; Oito/nove ambulâncias do SAMU retidas no pátio, sem condições de saírem, macas presas; e chegando mais; Só havia tubos traqueais 7 ou 9 Fr, ou seja, ou ficava muito frouxo ou muito apertado, dificultand
o a intubação dos pacientes graves e a ventilação a posteriori; Não havia dreno de tórax, acreditem, dreno de tórax. Lastimável!!!! Devido
ao esforço em intubar pacientes no chão, eis que começo a sangrar pela
cirurgia dentária, então literalmente, senti o gosto de sangue, já que o
odor do mesmo e de outros excrementos humanos já habitavam meu olfato,
desde o início do plantão; Corredores
lotados, aliás, não havia mais corredores, eram depósitos de pessoas,
os chamados na atualidade de clientes do SUS, pela tão propagada
política de humanização da saúde; Com certeza, não eram mais nem
clientes ou pacientes, naquela situação, assumiam papel de qualquer ‘coisa’, menos de pessoas que necessitavam de cuidados; Nós, profissionais de saúde, também qualquer ‘coisa’ que vocês queiram imaginar, já estávamos perdendo a batalha, por falta de munição; Dreno de tórax??? Era o de menos... E assim fomos até o raiar do dia, gosto de sangue na boca, cansado, desiludido, sem esperança, abandonado, todos nós, eu, meus colegas e os pacientes... ou qualquer ‘coisa’ que os senhores queiram denominar”.
Meu
Deus! Pensei comigo mesmo, após ler este email: “A sabedoria
eclesiástica continua com a sua terrível verdade: NADA DE NOVO DEBAIXO
DO SOL!”. E o que é pior, fica a sensação de que teremos que absolver
Hitler, já que ele foi muito menos cruel. Ele pelo menos tinha uma
“desculpa”: purificar a humanidade... E qual será a nossa desculpa para
mantermos este estado vergonhoso, que diminui, que apequena, que agride,
que destrói e que mutila a dignidade da pessoa humana? Até quando
manteremos viva a nossa porção Auschwitz-Birkenau? Até quando?
Meu
Deus! Será que é tão difícil resolver esta situação? Será que é tão
difícil resolver toda essa bagunça criminosa que foi feita ao longo de
anos e anos na saúde deste estado? Quantas pessoas terão que morrer a
mais, quantos profissionais da saúde terão que adoecer, para a gente
pensar em mover-nos da nossa zona de conforto e dizer: BASTA!
Eu sei, caro leitor, que é triste ter que concordar com a célebre frase de Henry Ford: “A
guerra dá lucro. Para os banqueiros internacionais, instigar guerras e
enviar jovens para a morte é o melhor de todos os negócios”. No
entanto, é mais triste ainda ter que concordar com a lucidez do meu
ex-aluno, médico regulador do SAMU Natal, Dr. Carlos Eduardo:
“Professor, sabe quando esse caos na saúde do estado vai ser resolvido?
Nunca! Pois ele dá dinheiro, professor. O caos dá dinheiro!”.
Não
sei se foi a médica Zilda Arns que disse: corte o orçamento pela metade
e tenha boas ideias. Mas, o que sei é que se fizéssemos isso - cortar o
orçamento pela metade-, pelo menos resolveríamos grande parte de toda
essa calamidade. Primeiro, acabaríamos os escândalos na saúde, pois sem
dinheiro sobrando não haveria gatos, nem ratos... Depois, bastaria
utilizarmos a lei de Pareto, que diz: “80% das consequências advém de
20% das causas”.
E aí 20% das causas se chamam PRIORIDADES: uma central de regulação
única de leitos de todo estado, organizando o fluxo dos pacientes; três
unidades hospitalares de média complexidade abastecidas e distribuídas
no interior do estado para servirem de anteparo ao HCS; valorização dos
funcionários que querem trabalhar e demissão dos que não querem... Isso,
só isso, já resolveria e muito todo esse caos.
Pois
bem, caro leitor! Diferentemente de Nelson Rodrigues que afirmava que
em Brasília, éramos todos inocentes e éramos todos cúmplices; neste caos
da saúde do RN, só há culpados e só há cúmplices. Dos governadores
anteriores ao atual, dos gestores da saúde anteriores ao atual, toda a
população, inclusive eu e você, caro leitor, somos TODOS CULPADOS por
isso, afinal O ESTADO SOMOS NÓS... e cabe a todos nós, pelo menos
fazermos um pacto da mediocridade coletiva: enquanto este caos perdurar,
ninguém tem o direito de rir no RN, pois vamos rir de que: da nossa
própria miséria, da nossa própria incompetência, do nosso próprio
descaso?...
Por
último, vale a torcida para que a teoria de Allan Kardec esteja
completamente errada, pois se tiver reencarnação, caro leitor, estamos
fritos, literalmente fritos e que Deus tenha piedade de todos nós!
Francisco Edilson Leite Pinto Junior – Professor, médico e escritor (estou Coordenador Geral do SAMU Natal).
Caro Professor, boa noite...
ResponderExcluirÉ, realmente o "serpentário" não mudou muito nestes últimos anos...lembro bem que estava sozinho num plantão num sábado à noite(o colega atrasou cerca de 01 hora), havia pacientes aguardando irem ao centro cirúrgico (abdome agudo, ferimento por arma de fogo, etc) e o elevador estava simplesmente sem funcionar...isto ocorreu, salvo me engano, em 2006 e pelo que percebo conseguiram a difícil tarefa de piorar a situação.Nunca li o inferno de Dante(ainda lerei), mas jamais será mais terrível que a descrição do colega, pois trata da cruel realidade e não de uma ficção.Vale à pena PARAR e se perguntar se vale à pena trabalhar nestas condições ??
Bem, professor tenho escrito umas bobagens sem métrica e sem muita preocupação com a rima(coi sa de amador mesmo!!), se possível gostaria que desse "uma olhada", achei parecido com as idéias de alguns textos seus:
O caminho e a Sereia, o destino e a armadilha
É importante aprender
Que no trabalho e na vida
O que mais importa mesmo
É felicidade, não alegria.
A alegria é ligeira.
A felicidade fica.
O dinheiro é sereia
Desvia e crucifica.
Se o trabalho for
Pra acumular vil metal,
É bem melhor repensar
A estratégia do caminho,
Cuidado em não ser escravo
Que se escraviza sozinho.
Cuidado com a armadilha
Camuflada no destino.
José Luiz Souza Neto
Natal, 13/08/2012 (pensando na vida, no trabalho e no "lazer culpado")
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Homens de Branco (Em um momento de indignação)
José Luiz de Souza Neto Natal 14/08/2012
Havia em era passada
Um certo grupo de homens
Que em bela arte atuavam,
Cuidavam de rei e pobre
E pelo o ofício nobre
Recebiam o merecido cobre.
De uns tempos para cá,
Muita coisa mudou,
Ninguém mais valoriza
O coitado do doutor
Que labuta salvando,
Que trabalha curando,
Que não pode ter engano,
Que não recebe do plano,
Mas não é robô, É HUMANO.
Aproveitando a oportunidade, gostaria depois de ter a oportunidade de conversar acerca de "como escrever" e de umas ideías que têm me fervilhado na cabeça: Alguns contos infantis e ficção.
Grande abraço, até breve...
José Luiz
Natal, 15/08/2012