sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

A INSUPORTÁVEL DUREZA DO SER



A INSUPORTÁVEL DUREZA DO SER

Devemos ser duros. É assim que tem que ser. Fomos criados assim. Não há ternura nisto. Guevara (1928-1967) mentiu, claro.

Desde cedo, o ser humano é instigado a apresentar força, liderança, criado para não demonstrar seus defeitos e seus pontos fracos. Numa luta intensa, chorar não é permitido. O lenço esconde mais do que enxuga.

“Somos de carne, mas temos de viver como se fôssemos de ferro”, disse Freud (1856-1939) na sua época. Neste caminho, as pessoas não são elas mesmas. O receio de mostrar sua condição frágil leva qualquer um a tecer suas espessas máscaras. Tem que ser duro, “duro na queda” (“The Fall Guy”, série de TV americana dos anos oitenta, sessão da tarde no Brasil).

O perigoso deste “levanta, sacode a poeira e dar a volta por cima” (da música Volta por cima, Paulo Vanzolini, 1924-2013), são as atitudes mais primitivas, imaturas. Não é por acaso que ninguém quer mais conhecer a outra pessoa de forma mais estreita, mais íntima. Fica vulnerável demais ser verdadeiro. A superficialidade endurece mais o homem, torna-se seu escudo, sua égide. Fininha, mas dura. 

Pouca cordialidade, pouca consideração, gratidão não se pode mais. Ninguém cede. Todos endurecem, embrutecem, e claro, adoecem. Penso sobre quem foge do mundo sensorial, vivendo de extrema razão, atingindo esta dureza que todos cobram, mas sinceramente, criam uma redoma vazia. Racionalidade demais afasta você do simples contemplar da chuva, do simples vento na cara. "Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta” (O Ateneu, Raul Pompéia, 1863-1895). Sim, é verdade, você é duro desde pequeno, começou na sua infância. Durão.

Para onde isto tudo nos leva? Para um preparo bélico da vida, eu suponho. Temeroso quem se veste de uma armadura rígida demais, que não deixa a delgada faixa de luz entrar, logo esta que poderia modificar sua vida, deixar tudo diferente, deixar você feliz, poderia ter sido seu remédio, talvez em dose única até. Mas, você não quis, cerrou o elmo, empunhou a espada e partiu para cima.

Um simples sorriso, uma simples mensagem,um recado: impossível, isto é coisa de fracos. Um aperto de mão, um pedido de perdão, uma declaração: não pode, isso já é sensibilidade demais. Feche a cara, siga, e acabe tendo toda a emoção acumulada explodindo mais cedo ou mais tarde (porque você - bem-vindo ao mundo natural - não é uma máquina). Melhor teria sido aceitar o convite da dança. O convite de quê? Eu disse da dança, da vida, de você mesmo. Viva, deixa de ser mole, digo, deixa de ser duro. Corra pela rua, chute um balde, falte aquele encontro chato e aumente o som do carro. Não vai machucar ninguém, vai ser seu remédio, e se sentir mais vontade, sua posologia.

Alguns podem lembrar que “os brutos também amam” (filme de George Stevens, 1953). Amam os brutos, os insensíveis, os metódicos, os agressivos. Todos nós. Portanto se dê a oportunidade do carinho, do caminho mais logo para chegar ao sucesso de sua guerra, nele você sentirá mais experiências, viajará mais, perceberá mais, e pensará que o mundo só muda quando este comportamento partir do interior de si para a casca de todos. Esta nossa casca-dura. Compre um quebra-nozes.

Gustavo Xavier é Psiquiatra e um coração-mole.

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