quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

A MINHA DOENÇA


Se for pra ficar doente, quero sofrer da doença que imaginei.
Nela, o comprometimento seria da memória, de causa desconhecida, mas diferente das outras demências, só perderia as lembranças ruins.
Assim mesmo! Todas as experiências ruins, trágicas, dolorosas, seriam apagadas da minha mente, porém com um detalhe de que a maturidade permaneceria.
Com o tempo, a doença ficaria crônica, em breve perderia a lembrança de mágoas antigas, de desafetos criados, de decepções afetivas. No estágio mais avançado, as mais simples rusgas da vida seriam excluídas das minhas vivências.
Como efeito adicional, sobraria espaço pras lembranças boas. Agora, as amizades, os amores, as paixões preencheriam toda a minha mente, expandido as sensações de liberdade, bem estar e alegria. Sem depressão.
Na minha doença, o curso sempre pioraria. Cada vez mais crônica, e sem uma cura prevista pela Medicina, estaria fadado a nunca mais melhorar.
Andaria pelas ruas sem evitar os inimigos, sorriria pras pessoas más e não reclamaria dos mentirosos. Não precisaria perdoar, pois as injustiças não mais me atingiriam.
Por fim, encararia a morte como uma reação natural, esperada, sem atropelos. Nem lembraria da dor, do sofrimento, enfim simplesmente apagaria do mundo.
De forma caprichosa, ela ainda seria infecciosa e contaminaria a todos que vivessem ao meu lado. Sem pânico.

Mas talvez... Mas provavelmente... Procurariam uma cura pra ela. Insistentemente, o Homem buscaria dominá-la, entendê-la, e tratá-la da forma mais agressiva, suponho. Não poder viver assim, seria o argumento corriqueiro.
Os primeiros exames seriam invasivos, desgastantes, mas obrigatórios pra saber a causa (que nunca seria descoberta). O tratamento, arrasador. Aos poucos, as marcas do passado fariam novamente me preocupar. Ressentimentos, atritos, pesares, voltariam a ocupar espaço.
Detestando a terapêutica, tentaria abandonar, mas sem êxito. Todos estariam atentos para que eu melhorasse e voltasse a desconfiar dos parentes e pessoas traiçoeiras, aquelas que antes da doença, eu abominava com o mais profundo ódio.
No tempo mais ligeiro, surgiria a vacina. Deste modo ninguém mais teria o perigo de contraí-la.
Com os efeitos colaterais da medicação, não poderia mais sair de casa, com todas as lembranças ruins voltando de repente. Restaria sofrer com todas aquelas imagens. Minha mente vivaz e límpida andaria pelo escuro e então com toda assistência, partiria deste mundo com a alma presa e pesada. Lembrando de tudo.

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